Estou ficando esquecida. Já nem me lembro de quantas vezes toquei nesse assunto por aqui. Em certa medida, me incomoda. Me imagino daqui a alguns anos, olhando em volta sem saber quem sou ou onde estou indo (isso às vezes já acontece, quando meu carro assume o comando e nenhum de nós dois sabe para onde vamos). Ok, esse é o pior panorama, mas no meio do caminho até esse extremo, existem os pequenos esquecimentos do dia-a-dia, que enervam. Principalmente se você tem um marido, ou filhos, ou amigos, que te olham com pena e preocupação (exagerada e irritante), como se você estivesse a um pé da amnésia absoluta.
Portanto, o negócio é cultivar tudo aquilo de que lembro bem. É suspirar de prazer por lembranças antigas que trazem boas sensações, sendo a melhor delas, a própria capacidade, ainda intacta, de recordá-las. Esse tipo de lembrança, necessariamente atada a momentos afetivos, se sedimenta e fica ali, forte, pavimentando a vida da gente, dando um sentido e um lugar para onde voltar, sempre. Preservar memórias boas, num caderno emocional que será acessado nos lapsos de branco total ou pouca retenção das coisas novas. Naquela fase em que lembramos do lanche do primeiro dia de escola, do nosso aniversário de 8 anos como se fosse ontem, mas esquecemos do que almoçamos … hoje.
Aproveitemos, então, as velhas lembranças, aquelas que fazem parte da gente feito os braços, a pele, os sentidos. As nossas verdadeiras marcas, rugas e cicatrizes. Que ficam na gente, ou nos outros. Como álbuns de registros e fotografias que folheamos em busca do que fizemos e fomos. Um arquivo com um de a ao z de pedaços de nossas vidas: infância, escola, família, natais, avós, sabores, lugares, primeiras vezes, últimas palavras.
Uma memória afetiva, marcada por fatos que, por algum motivo, realmente importaram. E são os que contam, no final da história. Não as chaves do carro que nunca encontramos, nem o celular que sempre ficou em algum lugar, nem a cena seguinte do filme assistido quatro vezes, nem o nome/endereço/telefone/aniversário de tantas pessoas e, muito menos, os itens na compra do supermercado. Essas são todas coisas pequenas que o dia-a-dia trata de devorar. Mesmo que deixem um leve sabor amargo pelo esquecimento e perdas cognitivas, pense que esquecê-las aumenta o espaço para guardar o que realmente precisa ser lembrado.
Vira uma cesta, cheia de lembranças soltas, que a gente leva por onde vai e usa quando bem entende. Eu…lembro do vestido lindo usado no casamento da primeira professora; dos tapetinhos em que aprendi a ler e escrever; das cascas de ovos pintadas por minha mãe com desenhos da Disney para a Páscoa; do jogo de amarelinha na casa em Blumenau; das aulas de violão, de piano, de tricô, de ballet; das pessoas que me ensinaram tudo isso. De desenhar com meu avô, da minha criação de tatu-bolas, do padeiro que chegava com o pão quentinho ao por-do-sol na praia… Das paixões, das gestações, dos fins. Minha cesta só faz sentido para mim.
E a sua, o que leva?
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