O quanto eu gosto que me enrosco em objetos com história já deve ter ficado bem evidente por aqui. Aprecio as coisas que já fizeram parte da vida de alguém. Nesse gosto se misturam meu empenho pelo consumo consciente (aquelas coisas continuam sendo úteis, seu uso evitou a compra de um novo), pela preservação de nossas memórias (olhar para um objeto e lembrar de alguém é um jeito de continuar presente) e pelo belo (coisas que duram nas trajetórias de tantas vidas são belas, de algum jeito).
Em nome disso, depois que conheci os pratos rendados da Rosana, fiquei de olho em umas toalhinhas de renda que encontrei na casa em Leros, que, segundo minha sogra, foram bordadas por sua mãe e tias, lá nos idos dos anos 1930. Um tesouro que quis eternizar em um prato.
Não é lindo? Rosana, que a essa altura já virou uma expert em toalhas bordadas, me explicou que essa renda se chama Renascença, feita com base em fitas que criam um desenho e são unidas por bordados bem elaborados. Se quiser saber mais, veja esse artigo da Casa Abril.
Os pratos ficaram lindos e foi difícil escolher apenas um. Em breve, volto para buscar outro!
As pedras que pintamos esse ano em Leros ficaram muito engraçadinhas. Uma mesa com tintas e pinceis ficava montada num canto da varanda e todos que estavam a fim, sentavam ali e decoravam uma.
Como tinha me prometido no ano passado, fiz o jogo da velha com pedrinhas e um pedaço velho de madeira, que meu cunhado Fabrizio lixou bem.
E joaninhas, muitas e coloridas.
E dominós!!
Sofia, minha sobrinha, fez esse lindo coração com um mosaico ao redor que lembra os pavimentos de Leros.
Uma pedra na escada.
Pintura em tecido também aconteceu. Ficou faltando só o tye die, promessa para a próxima visita..
Tempo livre e matéria-prima: madeira e pedras para pintar, facilmente encontradas nas ilhas gregas. Os resultados estão aqui.
A madeira, na verdade, levei do Brasil para Leros. Precisávamos de mais uma bandeja para o café da manhã e de um porta-guardanapos à prova de vento. E a bandeja é dupla-face: a parte de trás combina com o porta-guardanapos, chiquérrimo. E usando os famosos carimbos.
Bancos, sempre bancos. Um baixinho, velho conhecido, para alcançar as coisas mais altas. O outro foi desmontado na mala e montado por meu cunhado Fabrizio, cheio de dons.
De uns tempos para cá, talvez pelas conscientizações que vêm com a idade, tenho me surpreendido com nossa capacidade do aprendizado constante. A proposta de sempre aprender algo novo é uma ginástica poderosa contra teias de aranha intelectuais, falência muscular generalizada e fermentação da preguiça que ronda nossas vidas. A graça de aprender novidades à medida que amadurecemos é que cada vez mais podemos aprender algo porque queremos e não porque precisamos, agora que não interessam mais as provas, as notas, a promoção.
Mesmo atividades retomadas depois de um tempo de abandono trazem a sensação de caixas fechadas que vão se abrindo e informações adormecidas surgindo, como um arquivo que deixamos num canto, guardando dados preciosos para um uso futuro. Uma amiga, grande tricoteira na juventude, me conta que resolveu, depois de uns 30 anos sem pegar em um novelo, voltar aos pontos e agulhas. Estranheza inicial superada nos primeiros minutos, logo voltando à habilidade pensada perdida como se nunca tivesse parado. Quantas coisas que fazíamos por prazer ou talento foram sendo deixadas por causa de filhos, profissão, compromissos, isso-não-dá-dinheiro. Talvez seja chegado o momento de abrir velhos arquivos.
Minha filha, aprendiz de doceira cada vez menos amadora, foi estudar panificação e confeitaria em NY. Ou seja, aprendeu a fazer pães e doces. Mas aprendeu mais: a cuidar de casa, de si mesma, de coisas que a vida em casa da família, protegida e facilitada, quase nunca ensina.
Eu, no jazz, desafio as leis da física. Ou melhor dizendo, do físico, que não obedece mais os comandos cerebrais. Mas sinto que melhoro um pouco a cada dia. Estou aprendendo, e isso me faz muito feliz.
E continuo querendo muito aprender a fazer carimbos. E pintar aquarelas. E a falar grego de verdade. E mexer com o Photoshop. Plantar uma horta. Receitas com soja. E cozinhar paella. A me maquiar. A dirigir Vespa.
Ter uma listinha do que queremos aprender é bem motivante. Focos de interesse a serem desenvolvidos ou simplesmente engavetados. Pois uma das coisas mais importantes que precisamos aprender é que simplesmente não dá para fazer tudo.
Sou meio repetitiva, eu sei. Meus assuntos favoritos são sacolas plásticas, produção assustadora de lixo, o respeito à diversidade e às habilidades de cada um, a inclusão de pessoas com deficiência, o compartilhamento de leituras, a capacidade de escolha de sermos quem e como somos.
Essas teclas tão batidas me caracterizam, são as memórias que vou deixar para quem me conhecer. As marcas palpáveis estão aí, carimbos que já deixei: meus lindos filhos, a educação e oportunidades que receberam, dois livros e tantas caixas e bancos pintados, espalhados por aí e que vão durar muito mais do que eu.
Minhas melhores marcas.
Caixas. Muitas caixas.
Me perdoem se estou parecendo fatalista, mas tudo isso é uma volta enorme para retomar a tecla preferida: podemos escolher como queremos ser lembrados. Vou te deixar aí pensando nas memórias que está deixando e vendo suas alternativas. Não é teste, não tem pontos no final. É apenas você, exercendo seu direito de escolha e de decidir qual a marca que vai deixar:
( ) Otimista ( ) Pessimista ( ) Bem-humorado ( ) Mal-humorado ( ) Ativo ( ) Passivo ( ) Egoísta ( ) Altruísta ( ) Acolhedor ( ) Crítico ( ) Beijo e abraço ( ) Aperto de mão ( ) Sorriso fácil ( ) Olhar desconfiado ( ) Me dá um limão que eu faço uma limonada ( ) Tudo de ruim acontece comigo ( ) Da vida nada se leva ( ) Quero mais e mais ( ) O que faço serve de exemplo ( ) Vou ficar na vaga de deficientes só um minutinho…
Uma marca que tenho certeza que vou deixar é minha Nêga Maluca, receita da minha Tia Dóris, e que fez parte da história de meus filhos e todos os seus amigos que partilharam lanches conosco. Aqui está ela:
1 xícara de chocolate em pó (eu misturo Nescau e Chocolate do Padre)
1 colher de chá de fermento em pó
1 pitada de sal
3 ovos
1 xícara de água morna
1 xícara de óleo de canola
Peneirar os secos.
Pré-aquecer o forno. Em uma tigela, bater os ovos por uns 5 minutos com batedeira, adicionar a água e logo em seguida o óleo de canola. Ir colocando os secos (peneirados) aos poucos e continua batendo com a batedeira. Colocar em assadeira retangular média, untada com óleo. Assar em forno médio por 20 minutos e em forno baixo por mais 10 minutos. Depois de esfriar cobrir com a calda de chocolate.
Calda de Chocolate
1 copo de leite
4 colheres de sopa de açúcar
5 colheres de sopa de chocolate em pó (Nescau e do Padre)
1 1/2 colher de sopa de margarina
1 pitada de sal
Coloca tudo em uma panela e cozinha por uns 10 minutos em fogo médio, até que engrosse um pouco.
Jô Bibas, fonoaudióloga e artesã. Aqui mostro minhas artes e ideias e de amigas de longa data. Cada uma com seu talento, seu jeito, suas cores.
Curitiba/PR.